002 - "O Milagre do Pedreiro e o Início das Peregrinações"
Em uma manhã clara no sertão de Canindé, os trabalhadores se reuniam em torno do grande sonho de Francisco Xavier de Medeiros: construir a Capela de São Francisco das Chagas. A obra, embora modesta, carregava em seus alicerces a fé inabalável de que o santo acolheria o povo com sua benevolência. Era um tempo de desafios, onde cada tijolo assentado era uma vitória contra a seca, a pobreza e as dificuldades do sertão.
Entre os operários, estava José, um pedreiro robusto, conhecido por sua habilidade em trabalhar em grandes alturas. Naquele dia, ele se equilibrava em um andaime precário, muito acima do chão, enquanto martelava o barro seco, ajudando a erguer as paredes da capela. Apesar de sua experiência, o silêncio daquela altura fazia com que seus pensamentos divagassem. Talvez, em seu coração, ele temesse algo que não ousava confessar.
De repente, uma tábua sob seus pés cedeu, e José sentiu seu corpo ser tragado pelo ar, numa queda que parecia eterna. Em um impulso desesperado, ele gritou o nome do santo que dedicara sua vida a erguer um santuário: "São Francisco, salvai-me!" Naquele instante, quando tudo parecia perdido, sua camisa ficou presa na ponta de uma tábua solta, como se uma mão invisível o tivesse segurado. Ele ficou suspenso no ar por alguns segundos, antes que seus companheiros corressem para puxá-lo de volta, a salvo.
O susto ainda estava estampado no rosto dos operários quando José foi colocado no chão. Ninguém conseguia explicar o que havia acontecido. Para eles, não restava dúvida: São Francisco havia atendido ao clamor de seu devoto e intercedido em um milagre. Esse evento extraordinário não demorou a se espalhar. O eco da história cruzou rios e sertões, levando consigo a certeza de que aquele santo era mais do que uma figura religiosa — ele era protetor de todos que viessem a Canindé em busca de sua graça.
Na mesma época, um problema sério ameaçava o futuro da capela. O terreno onde a obra estava sendo erguida pertencia a três senhores de terras de Pernambuco, que se recusavam a vendê-lo ou doá-lo. Eles entraram com um embargo judicial para interromper a construção. Mas, como reza a tradição, a justiça de São Francisco interveio de maneira silenciosa e fatal. O primeiro dos senhores adoeceu subitamente e morreu. O segundo encontrou o mesmo destino pouco depois. O terceiro, apavorado com o que via como punição divina, adoeceu gravemente e, em seu leito de morte, fez uma promessa: doaria as terras a São Francisco se fosse curado.
Para o espanto de todos, sua saúde começou a melhorar rapidamente. Assim que se restabeleceu, cumpriu sua promessa e cedeu o terreno, permitindo que a capela fosse terminada. Esse segundo milagre reforçou ainda mais a fé do povo, e as romarias começaram a tomar forma. Peregrinos de terras distantes vinham a Canindé, movidos pelas histórias de milagres e pela esperança de que São Francisco também atenderia suas preces.
A devoção a São Francisco crescia a cada dia. Romarias tornaram-se eventos frequentes, e o nome de Canindé ecoava por todo o Ceará e além. A capela se transformou em um santuário grandioso, e o fluxo constante de fiéis que vinham agradecer e pedir bênçãos tornou-se uma tradição sagrada que perdura até os dias de hoje.
Nêrilda Lourenço
Enviado por Nêrilda Lourenço em 10/09/2024
Alterado em 10/09/2024