O Café das Certezas Perdidas
As ruas estreitas de paralelepípedos que levavam ao "Café das Certezas Perdidas" eram, em sua maioria, desertas. Sob a luz das lâmpadas antigas, as sombras dançavam e ondulavam com o vento. Rafael se via tomado por um estranho fascínio, uma atração inexplicável que o fazia seguir adiante, ignorando o frio e a inquietação.
A recomendação vinha de um colega de trabalho que, entre goles de cerveja na despedida de fim de ano, falou sobre o lugar com um sorriso enigmático nos lábios. "É onde você encontra as respostas que precisa. Mas vá sozinho, Rafa. Esse tipo de clareza não é para compartilhar."
Ele achou a ideia absurda, mas naquela noite, quando dúvidas pareciam invadir cada aspecto de sua vida – seu relacionamento, sua carreira, suas decisões passadas –, Rafael percebeu que talvez precisasse de uma solução mais definitiva. E, por isso, agora se encontrava à porta de um pequeno e discreto café, sem sinalizações chamativas, apenas uma placa de madeira envelhecida com o nome gravado à mão: Café das Certezas Perdidas.
Ao entrar, foi envolvido por um aroma intenso e reconfortante de café moído, misturado a um toque suave de canela e algo indefinível, quase mágico. O ambiente era acolhedor, decorado com poltronas de couro surrado e mesas de madeira escura. Velas acesas lançavam sombras suaves nas paredes, onde quadros antigos exibiam paisagens misteriosas. Apenas alguns clientes silenciosos ocupavam as mesas, todos em estado de introspecção, como se estivessem perdidos em pensamentos profundos.
Uma mulher idosa, de cabelos grisalhos presos em um coque, se aproximou. Ela usava um avental simples e trazia um ar de serenidade que contrastava com seus olhos intensos, como se ela enxergasse além das palavras. Sem perguntas, ela sorriu e disse: "Vejo que você veio para o Café das Certezas."
"Sim… eu acho que sim," Rafael murmurou, hesitante. "Preciso de clareza. Há tanta coisa que eu… não sei como decidir."
Ela assentiu, como se já soubesse. "Aqui, servimos apenas um tipo de café. Mas cuidado, jovem. O Café das Certezas Perdidas é saboroso e forte, mas sua clareza dura apenas até a última gota. Aproveite cada momento."
Com isso, ela desapareceu em direção ao balcão, deixando Rafael pensativo. Instantes depois, retornou com uma pequena xícara de cerâmica marrom, exalando um aroma encorpado e profundo. "Quando estiver pronto, beba. E as respostas virão."
Rafael segurou a xícara com ambas as mãos, permitindo-se sentir o calor se espalhar por seus dedos, antes de levar a bebida aos lábios. O primeiro gole o surpreendeu; o café era denso, quase cremoso, e com uma complexidade de sabores que ele nunca havia experimentado. No instante seguinte, uma onda de clareza o atravessou.
Primeira decisão: sua carreira. Ele sempre hesitou, sentindo-se preso a uma rotina que não o satisfazia, mas que lhe proporcionava segurança. Com o Café das Certezas ecoando em sua mente, percebeu o que deveria fazer. Precisava de mudança, de um caminho que o desafiasse. A certeza de que queria pedir demissão o atingiu como um relâmpago. Sorriu, aliviado, e tomou mais um gole, permitindo que a clareza o envolvesse.
Na segunda decisão, pensou em Isabel, sua namorada de cinco anos. O relacionamento estava desgastado, repleto de discussões e inseguranças, mas ele se sentia culpado por cogitar o fim. Enquanto o efeito do café se intensificava, ele percebeu a verdade: Isabel também merecia alguém que a amasse de forma plena, sem dúvidas ou reservas. Ele sentiu a certeza dolorosa, mas liberadora, de que precisava deixá-la ir.
O próximo gole trouxe à tona a lembrança de seu pai, com quem tinha uma relação complicada. Havia uma mágoa que os separava, um orgulho que nenhum dos dois parecia disposto a abrir mão. Mas, sob o efeito do café, Rafael viu a situação com uma clareza dolorosa e entendeu que ainda havia tempo para reconciliação. Ele queria fazer as pazes, não apenas pelo pai, mas também por si mesmo. Cada gole lhe trazia uma nova decisão, uma nova compreensão sobre o que precisava fazer.
No entanto, conforme a xícara ia se esvaziando, Rafael começou a sentir uma estranha ansiedade. A clareza, antes tão sólida e reconfortante, agora parecia mais efêmera. Olhou para a xícara e percebeu que restava apenas um último gole.
A mulher idosa se aproximou novamente, observando-o com um sorriso triste. "Está pronto para o último gole?"
Ele hesitou. As decisões que havia tomado pareciam tão certas, mas… e se, sem o efeito do café, essas certezas desaparecessem? Ele inspirou fundo e bebeu a última gota.
Por um instante, a clareza permaneceu. Tudo o que havia decidido fazia sentido, e ele se sentiu em paz. Mas, enquanto a xícara vazia repousava sobre a mesa, Rafael percebeu a convicção se esvaindo. As certezas começaram a se desintegrar como a névoa ao amanhecer.
As dúvidas voltaram, acompanhadas de uma nova sensação: a dependência. Ele percebeu que queria – não, precisava – de mais daquele café. Sem ele, como poderia tomar decisões com confiança? As escolhas que antes pareciam sólidas agora pareciam frágeis, incompletas. Sentiu-se desamparado, como alguém que perde o chão.
A mulher, como se adivinhasse seus pensamentos, colocou a mão em seu ombro. "Você veio aqui em busca de respostas, mas lembre-se: a verdadeira clareza não vem de uma bebida, mas de dentro de você. O café apenas trouxe à tona o que já estava aí. Agora, cabe a você seguir em frente e confiar nas próprias decisões."
Rafael olhou para a xícara vazia, ponderando as palavras dela. Aos poucos, ele sentiu as lembranças das certezas retornando, mas dessa vez sem a rigidez que o café proporcionara. As decisões continuavam ali, porém misturadas com a incerteza e a vulnerabilidade que as tornavam reais.
Ele se levantou, grato pela experiência. Ao sair do café, percebeu que, mesmo sem o efeito do Café das Certezas Perdidas, as respostas que buscava já haviam sido encontradas – não na bebida, mas dentro de si mesmo, na coragem de encarar suas próprias escolhas.
Nêrilda Lourenço
Enviado por Nêrilda Lourenço em 09/11/2024