Nêrilda Lourenço
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O Visitante das Três da Manhã
A pequena cidade de Arvoredo parecia parada no tempo. Suas ruas de paralelepípedo e as fachadas decrépitas das casas antigas refletiam uma época esquecida. Em Arvoredo, todos se conheciam, e os dias seguiam suas rotinas previsíveis — até que algo inexplicável começou a perturbar as madrugadas.

Às três da manhã, quando tudo parecia calmo, um visitante misterioso caminhava pelas ruas da cidade, deixando um rastro de gelo onde pisava. Ele parava diante das casas mais antigas, permanecia imóvel por cinco minutos, e depois desaparecia tão silenciosamente quanto surgira.

Logo após cada visita, uma história do passado da cidade — crimes, promessas quebradas, desaparecimentos — vinha à tona, como se o passado estivesse determinado a retornar para assombrar os vivos.

Clara, uma jovem repórter investigativa, havia chegado recentemente a Arvoredo, esperando que a tranquilidade do interior oferecesse uma pausa da rotina frenética dos grandes jornais. Mas logo percebeu que o sossego era apenas uma fachada. Algo na cidade escondia segredos, e o visitante noturno parecia ser a chave para desvendá-los.

Naquela madrugada, Clara observava a rua deserta de sua sacada. Quando o relógio marcou três horas, um arrepio percorreu seu corpo ao ver o visitante pela primeira vez. Uma figura misteriosa, com trajes antigos, caminhava em silêncio até a casa de Dona Eulália, uma das moradoras mais velhas de Arvoredo.

Na manhã seguinte, Clara visitou Dona Eulália para descobrir mais sobre o estranho visitante.

— Dona Eulália, desculpe incomodá-la, mas... você notou algo estranho na sua janela? — Clara perguntou, tentando parecer casual.

— Notei sim, minha filha — disse a idosa, trêmula. — Esse homem, esse visitante, apareceu ali... é a quarta vez. Fica olhando fixamente, mas eu não ouso perguntar o que quer.

— Você sabe quem ele é? Ou quem ele poderia ser? — Clara insistiu.

A idosa hesitou antes de responder, num sussurro:

— Ele se parece com meu bisavô. Mas ele... morreu há mais de cem anos, num acidente trágico. Uns dizem que foi empurrado, outros... que foi maldição.

Clara sentiu um calafrio. Se o visitante era realmente o bisavô de Dona Eulália, poderia estar ali para confrontar o passado sombrio de Arvoredo.

Durante os dias seguintes, Clara mergulhou nos arquivos da pequena redação local, tentando desvendar a história da cidade e as origens das famílias fundadoras de Arvoredo. Ali encontrou seu colega Pedro, um fotógrafo experiente, que percebeu sua curiosidade.

— Clara, você acha mesmo que esse homem... é um fantasma? — Pedro perguntou, vendo-a absorta nos papéis.

— Eu não sei, Pedro, mas sinto que ele está ligado aos segredos mais profundos da cidade.

Pedro, relutante mas curioso, acabou se interessando.

— E que tipo de segredos acha que ele traz?

— Promessas quebradas, crimes antigos... e talvez algo ainda mais obscuro.

À medida que seguia o visitante noite após noite, Clara começou a entender que ele a conduzia a um segredo antigo e que envolvia sua própria família. Na última noite, o visitante parou diante da casa onde Clara estava hospedada. Desta vez, quando ela saiu para confrontá-lo, ele olhou diretamente para ela, os olhos vazios mas cheios de história.

— Quem é você? — sussurrou Clara, segurando seu bloco de notas como se fosse um escudo.

A figura pareceu estremecer, e então uma voz gélida ecoou ao seu redor.

— Aquele que vocês esqueceram, mas cujo grito ninguém pôde calar. Eu busco a verdade, Clara. E você deve ouvir... deve ver.

No dia seguinte, Clara investigou documentos antigos e descobriu que sua família havia feito uma promessa há décadas. Seu bisavô, na verdade, estava envolvido num pacto com os fundadores de Arvoredo, algo que resultara na morte misteriosa de um dos ancestrais da cidade. Tudo indicava que seu próprio sangue estava atrelado à história sinistra do visitante.

Ela compartilhou suas descobertas com Pedro.

— Clara, isso é... surreal. O visitante quer vingança? Ou apenas justiça?

— Não sei. Mas sinto que ele quer a verdade revelada — disse ela, decidida.

Naquela noite, às três da manhã, Clara esperou pela última visita. O visitante se aproximou de sua janela, e, desta vez, ela a abriu.

— Se está aqui por respostas, quero ouvi-las.

A figura ergueu a mão, e sua voz sussurrou:

— Sua família quebrou a promessa. A verdade deve ser revelada, para que a paz possa, enfim, reinar.

A figura se dissipou como névoa, e o rastro de gelo derreteu lentamente, como um segredo liberado do seu peso.

Nas semanas seguintes, Clara escreveu uma série de artigos desvendando os segredos do passado de Arvoredo. Cada história trouxe à tona mistérios e injustiças antigas. A cidade ficou chocada, mas, com o tempo, os moradores mais velhos começaram a compartilhar suas próprias memórias, até então guardadas.

Finalmente, o estranho visitante nunca mais foi visto. E Arvoredo, pela primeira vez em décadas, parecia livre do peso de seus segredos.
Nêrilda Lourenço
Enviado por Nêrilda Lourenço em 11/11/2024
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